Resumo: Este estudo aborda a manifestação da masculinidade tóxica no 55chan, um fórum de internet anônimo brasileiro. Acontecimentos como o Gamergate e o Massacre de Suzano, que foram parcialmente organizados dentro de fóruns anônimos, demonstram como interações nesses espaços podem resultar em problemas de grande proporção. Evidências como essa indicam a pertinência de se explorar imageboards como plataformas que conformam discursos de ódio, bem como as subculturas que se constituem em torno delas. Frente a isso, pergunta-se: de que forma se manifesta a masculinidade tóxica no 55chan? O objetivo deste estudo é caracterizar a masculinidade tóxica no 55chan. O procedimento metodológico utilizado foi uma análise semântica de 16 mil postagens do referido fórum anônimo brasileiro, que foram coletadas mediante busca automatizada em dezembro de 2016 e janeiro de 2017. Os resultados demonstram que participantes do 55chan: 1) sentem-se oprimidos pelo estereotipo do homem “alfa”, pelas mulheres e pela sociedade; 2) consideram-se “falhos”, embora lancem mão de estratégias para mudar essa condição (nofap/noporn/exercícios físicos); 3) objetificam as mulheres e as consideram perversas (‘vagabundas”, “merdalheres”) e irracionais. Conclui-se que a manifestação da masculinidade tóxica no 55chan assume contornos específicos devido ao anonimato, à efemeridade das linhas de discussão e ao uso dos filtros.
Introdução
Imageboards (ou IBs, de forma abreviada) são um tipo de fórum de internet anônimo onde pessoas podem interagir através da publicação de imagens e textos [1]. Este tipo de fórum surgiu no Japão na segunda metade dos anos 90 e chegou ao ocidente através do 4chan no início dos anos 2000 (STRYKER, 2011). O 4chan, dada a influência da cultura popular japonesa, iniciou como um espaço para discutir sobre animes em inglês (PEREIRA, 2014), mas logo adquiriu um caráter mais sério no sentido de abordar tópicos relativos à liberdade de expressão (ANTONIO, 2013).
Destaca-se a intersecção destas subculturas com a cultura hacker e o aspecto do lulz, um tipo de “zueira” de caráter obscuro, que se popularizou através do movimento hackerativista Anonymous, o qual surgiu dentro do 4chan e ficou conhecido por ações que envolvem tanto a trollagem [2] quanto o ativismo sério (PEREIRA, 2014). Os primeiros integrantes do Anonymous relatam que, no início, “tudo não passava de brincadeiras como trollar usuários do MySpace, ou enviar pizzas para a casa de um neonazista” (ANTONIO, 2013, p. 56), evidenciando este lulz que é característico dos IBs.
No entanto, embora estas subculturas sejam precursoras de diversos artefatos culturais que posteriormente chegaram ao mainstream através de memes e virais (SHIFMAN, 2014), e também já tenham se manifestado acerca de assuntos importantes e valorosos (PEREIRA, 2014), existe o problema de que os administradores desses sites acreditam que não possuem a responsabilidade de moderar o conteúdo publicado pelos participantes (STRYKER, 2011). Desta forma, atividades criminosas como compartilhamento de pedofilia e incitação à violência ocorrem livremente desde os seus primórdios nos anos 90, sob a prorrogativa de que os IBs sejam apenas um “espaço livre”, conforme afirma o criador do 2channel, um antigo textboard japonês (STRYKER, 2011, p. 101). Nesse cenário, acontecimentos como o Gamergate [3], em que diversas mulheres profissionais da indústria de jogos foram alvo de ameaças de morte e de estupro (GOULART; NARDI, 2017), demonstram como a construção da masculinidade tóxica [4] que se difunde através de fóruns anônimos possui graves consequências. Com isso, a “masculinidade tóxica” que este estudo se propõe a analisar é entendida como uma prática tóxica que se manifesta através das práticas de lulz e difusão do ódio em fóruns de internet anônimos (NAGLE, 2016).
Dessa forma, este é um estudo qualitativo acerca da manifestação da masculinidade tóxica no 55chan, um fórum de internet anônimo brasileiro. O objetivo é caracterizar a masculinidade tóxica no 55chan, de modo a responder a seguinte questão: de que forma se manifesta a masculinidade tóxica no 55chan? O campo a ser analisado corresponde a 16.188 postagens realizadas pelo 55chan entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017 e que foram coletadas de forma automatizada. Essas postagens foram analisadas de acordo com o protocolo de análise de interações em comunidades online proposto por Kozinets (2010).
Três seções teóricas antecedem as seções de análise. A primeira delas, aborda a subcultura dos Imageboards, seguida por tópico que se dedica a, especificamente, o objeto de estudo (55chan).
Uma aproximação com as subculturas dos IBs
De acordo com Haenfler (2014, p. 15), subculturas são “uma rede social relativamente difusa que compartilha identidade, significados distintivos sobre certas ideias, práticas e objetos e um senso de marginalização ou resistência à uma percepção de sociedade convencional”. Este caráter da resistência típico das subculturas surge em relação ao que consideram como mainstream, pois, muitas vezes, posicionam-se de forma antagônica à sociedade “normal” e sentem-se “de fora” mesmo que, na maior parte das vezes, não sejam tão diferentes dos outros grupos sociais (HAENFLER, 2014).
Desta forma, os IBs, também conhecidos como chans, abreviatura de channel (canal), estruturam-se através de áreas de discussão organizadas por assunto, que são conhecidas entre os usuários como boards (quadros de discussão). As boards mais comuns versam sobre assuntos como anime e mangá, música, política, pornografia e tecnologia, sendo estes os temas frequentemente discutidos nestes grupos. É somente no /b/, também conhecido como random (board sobre assuntos “aleatórios”), que os participantes podem conversar sobre qualquer assunto sem restrições de conteúdo. Estes grupos possuem regras flexíveis e pouco abrangentes, como era o caso do /b/ do 4chan, que só não permitia a postagem de pornografia infantil e a organização de crimes ou ataques públicos (PEREIRA, 2014).
O anonimato é um aspecto central destas subculturas, de forma que toda interação que ocorre entre os membros destes grupos apresenta-se sob essa condição. No entanto, destaca-se que este “anonimato” é uma questão de perspectiva, pois os usuários são anônimos somente entre si, mas não para os administradores e moderadores do site. Para estes subculturistas, sejam os participantes ou administradores, o anonimato é a principal vantagem dos IBs, pois evita que alguns membros ganhem autoridade em função de suas identidades ou do tempo em que estão imersos nestes grupos (PEREIRA, 2014).
Outra característica distintiva dos IBs é que, diferente de outros tipos de fórum de internet, estes são configurados para que as postagens mais antigas sejam periodicamente deletadas (FONTANELLA, 2010), de forma que o conteúdo gerado pelos usuários seja algo efêmero. Isto ocorre porque as boards possuem uma quantidade máxima de postagens, de forma que, quando novas postagens são criadas, esse limite é atingido e as postagens mais antigas são instantaneamente deletadas(FONTANELLA, 2010). De acordo com Bernstein et al (2011), uma postagem no /b/ do 4chan possui duração mediana de 399 minutos, evidenciando esse caráter da efemeridade do conteúdo produzido nestes grupos.
Como já foi observado em outras subculturas, essas pessoas não são receptivas em relação a novos participantes, o que gera um clima de desconfiança entre seus membros. Essas pessoas vigiam umas às outras, sempre buscando evidências de participantes que não estejam familiarizados com a linguagem ou com os artefatos subculturais do grupo. Desta forma, os membros mais antigos utilizam do chanspeak, que é um vocabulário codificado específico dos IBs (FIORENTINI, 2013), como forma de afastar pessoas curiosas ou interessadas nestes espaços (PEREIRA, 2014).
Pode-se dizer que essas subculturas emergem do entrecruzamento da cultura hacker e de alguns aspectos da cultura japonesa, conforme o idealizador de um dos primeiros chans afirma a respeito da origem e do propósito de sua criação na segunda metade dos anos 90. Um dos primeiros chans foi o 2channel, criado pelo japonês Hiroyuki Nishimura, que desenvolveu um textboard que ficou conhecido como um lugar para pessoas “emocionalmente reprimidas” desabafarem sobre as adversidades de suas vidas (STRYKER, 2011). O 2channel foi construído tendo como base outro textboard chamado Ayashii World, criado em 1996 com o propósito de ser um espaço para compartilhar conteúdo acerca de hacking, pirataria e pornografia (STRYKER, 2011). No entanto, o 2channel é quem foi responsável por fazer estas subculturas emergirem ao mainstream. Segundo o próprio criador do 2channel, seu objetivo era proporcionar um espaço onde as pessoas estivessem livres para fazer o que quisessem (STRYKER, 2011).
“Eu criei um espaço livre, e o que as pessoas faziam estava por conta delas”. Nishimura falou para o Wired em 2008 sobre sua aproximação laissez-faire análoga ao fundador do 4chan. Em busca de entender porque o 2channel fez tanto sucesso é importante saber um pouco sobre a cultura Japonesa. Nós estamos falando de uma sociedade onde confrontamentos e expressão emocional são constantemente desencorajados. Nos Estados Unidos, conversa direta e audácia são traços de personalidade valorizados. No Japão, eles são frequentemente associados à grosseria e ao desrespeito (STRYKER, 2011, p. 101, tradução nossa).
No ano 2000, o 2channel passou a adquirir o caráter obscuro característico dos IBs, quando um adolescente de 17 anos mandou uma mensagem para o grupo afirmando que estava para sequestrar um ônibus, o que ele realmente fez uma hora depois quando esfaqueou um passageiro até a morte; o racismo, principalmente contra coreanos, também ganhou bastante força no teor das conversas desses grupos; diversos suicídios em massa também foram organizados nesse período (STRYKER, 2011).
Em 2003, ainda adolescente, Christopher Poole, também conhecido pelo pseudônimo “moot”, criou o 4chan inspirado nos IBs japoneses. Dentre outras características herdadas destes grupos, o forte teor relativista e as tendências criminosas ainda faziam parte do conteúdo deste novo grupo. Havia uma board dedicada à pornografia extrema e outra para nudez de menores de idade, mas que foram posteriormente removidas do site devido à pressão do PayPal, que na época era a plataforma utilizada para receber doações (STRYKER, 2011).
Já em 2007, uma afiliada da Fox de Los Angeles se referiu ao Coletivo Anonymous como sendo um grupo de “hackers com esteroides” e uma “máquina de ódio da internet” (STRYKER, 2011). Com a viralização dessas frases, nesse período, foi inaugurada uma época em que o aspecto da trollagem ganhou bastante espaço nos IBs. Ocorreram desde “brincadeiras” em sites e jogos infantis, até grandes invasões a sites e outros sistemas informáticos (STRYKER, 2011). A trollagem mais notável e que ganhou notoriedade nacional nos Estados Unidos foi uma ameaça de implantação de bombas em sete estádios de futebol, o que resultou no cancelamento dos jogos que ocorreriam nesses espaços (STRYKER, 2011).
Quanto a este aspecto do lulz, para ilustrar esta dinâmica, destaca-se a resposta do 4chan a Fox News em 2007, que lançou um vídeo (ANONYMOUS, 2007) ao YouTube onde uma voz masculina e metalizada dizia:
O nome e a natureza de Anonymous foram devastados, como se fosse uma prostituta em um beco sem saída, e que depois foi exposta à visão pública para a apreciação. Permita-me dizer de forma simples: você esqueceu completamente quem e o que nós somos. Nós somos todo mundo e não somos ninguém. Nós somos a face do caos e os precursores do julgamento. Nós rimos na cara da tragédia. Nós zombamos daqueles que sentem dor. Nós arruinamos a vida dos outros simplesmente porque nós podemos. Um homem desconta sua raiva agredindo um gato, nós rimos. Centenas morrem em uma queda de avião, nós rimos. Nós somos a encarnação da humanidade sem remorso, sem carinho, sem amor e sem senso de moralidade. (COLEMAN, 2014, p. 7, tradução nossa)
Neste sentido, destaca-se o estudo de Suely Fragoso (2015) acerca do comportamento tóxico de brasileiros em jogos multijogador online(MMOs). Os HUEs [5], de acordo com a autora, são o estereótipo do brasileiro que se comporta de forma disruptiva em ambientes online. Estes jogadores costumam pedir dinheiro ou itens de outros jogadores, escrevem em português nos chats onde a língua oficial é o inglês e escrevem em inglês [propositalmente] com uma péssima gramática para atordoar outros jogadores (FRAGOSO, 2015). Estas interações tóxicas se dividem em spam, trolling e griefing, que não necessariamente são dissociáveis entre si, embora existam fronteiras entre suas manifestações (FRAGOSO, 2015).
Toda trollagem tem a intenção de perturbar os demais e fomentar conflitos, mas isso pode ser alcançado de diferentes maneiras. Um modo bastante comum é ridicularizar uma pessoa, ou um pequeno grupo de pessoas, diante de uma comunidade mais ampla. Nesses casos, o prazer da trollagem aumenta quanto melhor a posição do jogador que reage à provocação (ou, em outros tipos de comunidade, quanto melhor a sua reputação). (FRAGOSO, 2015, p. 138)
Como destaca Fragoso (2015), os brasileiros não são os únicos a apresentar este tipo de comportamento em ambientes online, tampouco são mais caóticos do que os participantes de outros países. No entanto, o que difere os HUEs de um típico troll é o caráter de agir em grupo destas pessoas. Enquanto o troll costuma agir sozinho, os HUEs se organizam premeditadamente ou espontaneamente para executar suas ações (FRAGOSO, 2015). Os HUEs se apropriam da visão negativa acerca dos brasileiros na internet e zombam a si mesmos como uma forma de ressignificar esta questão. Fingem não saber escrever corretamente ou agem como incompetentes para irritar outras pessoas (FRAGOSO, 2015), de forma que se torna impossível verificar se estas ações são propositais ou se realmente existe uma dificuldade por parte destes participantes. No entanto, o propósito é justamente suscitar essa dúvida (FRAGOSO, 2015).
Essas ações dos HUEs são similares àquelas realizadas pelos Anonymous no início do 4chan. Um exemplo disso está no caso de 2006 do jogo Habbo Hotel, quando o grupo Anonymous se organizou para que vários membros acessassem o jogo simultaneamente com o mesmo avatar de um homem negro. Utilizando seus personagens, o grupo se organizou para construir uma barreira na forma de uma suástica nazista que bloqueava a entrada de qualquer jogador na piscina do jogo (COLEMAN, 2014). Ao serem questionados acerca do bloqueio, os anônimos respondiam que era “por causa de falha e AIDS” (COLEMAN, 2014, p. 9, tradução nossa).
Figura 1 – O caso da suástica no Habbo Hotel
Fonte: YouTube
Segundo as próprias pessoas que realizaram essas trollagens, as ações ocorriam pelo prazer do lulz, um tipo de humor obscuro e disruptivo (COLEMAN, 2014), como facilmente se observa nessa “brincadeira” no caso do Habbo Hotel.
O termo lulz é uma corruptela da expressão lol (laughing out loud), mas se diferencia por possuir um caráter de transgressão, de romper com as fronteiras do absurdo, de “rir às custas de alguém” (COLEMAN, 2014, p. 26, tradução nossa). As pessoas que praticam o lulz sabem exatamente como a internet funciona e no que suas ações acarretarão, diferente do aspecto do lol, onde pessoas propagam o riso sem se preocupar com a repercussão dessas ações (COLEMAN, 2014). Desta forma, compartilhar uma piada via internet é lol, enquanto que o lulz rompe com essa ideia de “piada inocente”:
O lulz demonstra como simples e casualmente os trolls conseguem inverter nosso senso de segurança invadindo espaços privados e expondo informação confidencial. Alvos recebem contas de pizzas não pagas em casa; seus números de telefone particulares são divulgados; seus números da previdência social são vazados; comunicações privadas são postadas; números de cartão de crédito são divulgados; e conteúdo de discos rígidos são compartilhados. Trolls apreciam profanar qualquer coisa remotamente sagrada. (COLEMAN, 2014, p. 27, tradução nossa).
Considerações iniciais acerca do IB brasileiro 55chan
Devido ao caráter efêmero dos IBs, é sempre difícil obter qualquer informação acerca desses grupos. O 4chan, devido à sua importância e popularidade, ganhou diversos estudos que popularizaram algumas de suas dinâmicas e características (BERNSTEIN et al, 2011; KNUTTILA, 2011; PEREIRA, 2014). No entanto, informações sobre IBs são encontradas na maior parte das vezes em sites no formato wiki, os quais frequentemente publicam conteúdo em tom jocoso, como pode ser percebido na Encyclopedia Dramatica [6], na Desciclopédia [7] e na Wikinet [8]. Outra forma de contornar esse aspecto da efemeridade é através de iniciativas como o The Web Archive [9], que funcionam como um mirror para sites que já foram desligados e não estão mais no ar. Utilizando destas ferramentas é possível recuperar uma pequena parcela do conteúdo produzido nestes grupos, mesmo que esses sites já estejam desligados há muito tempo.
Neste sentido, o registro mais antigo do 55chan remete a 2007, que apresenta um texto introdutório presente na página inicial do site:
O 55chan é uma coleção de fóruns em que é possível e recomendado se escrever anonimamente, sem registro algum. Isso traz uma série de vantagens, como criar uma comunidade unida sem que haja pessoas brigando por atenção e popularidade.
Os participantes deste grupo chamam uns aos outros de “anões”, uma corruptela da palavra anon, contração da palavra anonymous. Com o objetivo de afastar os newfags [10], o 55chan possui uma espécie de “lei do silêncio”, que proíbe seus participantes de falarem sobre o IB em qualquer outro lugar que não seja o próprio IB. Aliado a isso, embora este recurso já tenha sido removido, para evitar a adesão de novos participantes era necessário passar por um “desafio” para realizar qualquer publicação no grupo. Este desafio obrigava os participantes a digitar em uma caixa de texto, sem o recurso de copiar e colar, com instruções intencionalmente ambíguas, ipsis litteris (“ao pé da letra”), o seguinte texto: “sei ler e escrever, inclusive utilizando pontuação.”.
Em 2010, o jornal Estadão foi atacado por participantes do 55chan, pois publicou uma matéria (ESTADAO, 2010a) que citava o site como um dos responsáveis por produzir os memes brasileiros. A jornalista responsável pela matéria recebeu ameaças de morte e foi vítima de diversos “trotes” (mandaram pizzas não-solicitadas para a casa dela, por exemplo), bem como seus dados pessoais e links dos seus perfis em sites sociais foram repetidamente divulgados no 55chan (ESTADAO, 2010b).
Figura 2 – Página principal e lista de regras do 55chan
Fonte: 55chan
Na sequência, conforme ilustra a Figura 2, o 55chan apresenta, em tom jocoso, a frase “subdesenvolvimento, agora também na internet”, que remete ao pessimismo acerca do desenvolvimento do país. Na ilustração, também se encontra uma notícia com a data de 27 de dezembro de 2015, anunciando que o 55chan havia voltado após uma queda. Nesse texto estava presente a frase: “essa é a natureza dos chans, 404 chegaria cedo ou tarde”, que remete ao caráter efêmero dos IBs.
As principais boards do 55chan possuem temática acerca de anime e mangá, computação e tecnologia, culinária, estudos, filmes, jogos, literatura, moda, música, política e pornografia. Outra board importante é a /mod/, onde a moderação do site promove comunicados e os participantes realizam reclamações, sugestões e denúncias sobre o descumprimento das regras. Na /mod/ também se encontra em destaque um guia de etiqueta do site, o qual deve ser seguido por todos os participantes sob pena de “banimento”. A Figura 2 também ilustra a lista de regras do site.
Destaca-se, também, que, em 2020, o domínio 55chan.org foi substituído pelo favelachan.org, de forma que, ao acessar o endereço antigo, ocorria um redirecionamento 301 para esse novo domínio. O curioso é que o redirecionamento 301 informa para os motores de busca que o endereço antigo foi substituído permanentemente, de forma a transferir o ranqueamento do site para o novo domínio. Este é um fato que remete à contradição, pois existem outras formas de realizar um redirecionamento e evitar que se mantenha a visibilidade do grupo. Por exemplo, há o código 302, que informa aos motores de busca que se trata de um redirecionamento temporário. Isto sugere que os administradores do site se preocupam com questões de SEO e visibilidade do grupo, algo que vai, invariavelmente, contra as ideias de oposição e percepção de marginalização dessas pessoas.
Delineamento metodológico
Uma vez que o objetivo deste estudo é caracterizar a masculinidade tóxica no 55chan, foi realizada uma análise semântica de mensagens coletadas no referido fórum anônimo. Para tanto, foram utilizados protocolos de análise de interações e conversações de comunidades online (KOZINETS, 2010), a fim de identificar conteúdo gerado nessas interações associado à masculinidade tóxica. Importa ainda destacar a postura lurker (observador) assumida por parte dos pesquisadores em relação a essas interações, já que não houve intervenções por parte dos autores em relação às conversações analisadas.
Em relação à coleta de dados, como forma de contornar o problema da efemeridade dos IBs, que deletam as publicações mais antigas conforme novas publicações são criadas, foi desenvolvido um programa para coletar as postagens do 55chan. Esta abordagem é essencial para diminuir o risco da pesquisa, pois IBs podem desaparecer espontaneamente sem qualquer aviso prévio.
O programa coletou as publicações do site que ocorreram entre 18 de dezembro de 2016 e 19 de janeiro de 2017, contabilizando 141.727 publicações. No entanto, após aplicação de um algoritmo de filtragem de conteúdo, que removeu threads com enunciados sem texto (somente com imagens) ou que continham escritos com poucos caracteres (menor do que a média aritmética da quantidade de caracteres desses enunciados), o corpus final foi reduzido para 16.188 publicações dentro de 482 threads (linhas de discussão). Somente o conteúdo textual das publicações foi obtido pelo programa, uma restrição severa, porém necessária para evitar o armazenamento de conteúdo ilegal.
Embora tenha sido possível automatizar a coleta de dados através de um algoritmo de web scraping, destaca-se que realizar a análise do corpus através de métodos quantitativos e sistemáticos pode não ser o ideal para esse tipo de conteúdo. Os textos publicados pelos participantes do 55chan estão repletos de erros de concordância e outros tipos de inconsistências ocasionadas pelo chanspeak. Por vezes, os textos beiram o ininteligível mesmo para a interpretação dos pesquisadores, de forma que, conforme foi verificado em um trabalho anterior (VELHO, 2018), para um algoritmo de análise, cuja acurácia está associada a consistência da língua em uso, esse problema adquire contornos ainda mais complexos. Desta forma, optou-se por utilizar um método qualitativo, que, embora seja um processo manual, imbricado nas subjetividades dos pesquisadores, possui a vantagem de acessar e compreender essas nuances dos textos publicados no 55chan.
Nesse sentido, o procedimento técnico utilizado foi adaptado de um fluxograma desenvolvido por Kozinets (2010, p. 119), que organiza este processo em etapas de categorização, reflexão, associação, verificação, generalização e teorização. A Tabela 1 ilustra este procedimento:
Tabela 1 – Etapas do procedimento de análise
Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Kozinets (2010).
A “masculinidade beta” conforme os participantes do 55chan
A questão das masculinidades tem sido problematizada em inúmeros estudos do campo da Comunicação Digital, concentrando-se em, mas não se restringindo, ao âmbito dos games (BURRIL, 2008; GRAY, 2014; SALTER, BLODGETT, 2017; JOHNSON, 2018; CHANDLER, 2019; FALCÃO, MACEDO, KURTZ, 2021) e a dinâmicas observadas na manosphere [11], que inclui plataformas baseadas em anonimato (GING, 2017; MASSANARI, 2017; NAGLE, 2017; ZUCKERBERG, 2018; MARWICK, CAPLAN, 2018; O’MALLEY, 2020; VILAÇA, D’ANDRÉA, 2021). Embora os dois conjuntos de contribuições apresentem diversos pontos de correspondência no que diz respeito à masculinidade tóxica, em função do objeto de estudo selecionado, e, com isso, das seções temáticas privilegiadas, este artigo se afilia teoricamente ao segundo grupo. Assim, “masculinidade tóxica” será compreendida aqui como uma prática tóxica que se manifesta através das práticas de lulz e difusão do ódio em fóruns de internet anônimos (NAGLE, 2016).
De acordo com Nagle (2016), estas manifestações se afastam de uma masculinidade patriarcal, na medida em que desprezam a concepção de família nuclear e que podem apoiar narrativas pró-gay e de fluidez de gênero do homem. No entanto, de acordo com Ging (2017), essas narrativas acerca do aprofundamento da sexualidade não são conflitantes com a misoginia e o antifeminismo, pois relacionamentos homossexuais são defendidos por alguns MRA (Men’s Rights Activists) como uma forma de evitar relações com as mulheres, que são vistas como inferiores aos homens.
Desta forma, a masculinidade tóxica dos IBs possui como base a concepção de superioridade dos homens beta em relação aos alfas, chads e normies (NAGLE, 2016), que têm em comum o fato de manifestarem sua masculinidade através de atributos físicos e habilidades sociais (KENDALL, 2011). Ainda conforme Kendall (2011), o homem beta assume que não possui essas qualidades, embora sinta-se capaz de compensar isso com sua inteligência e razão apuradas. No entanto, de forma contraditória, costumam ser autodepreciativos, frequentemente se identificando como “falhos” ou incels (celibatário involuntário), enquanto também acusam os “homens alfa” de marginalizá-los e de não ter suas “características superiores” reconhecidas pela “sociedade mainstream”.
A partir de observações das conversas dos participantes do 55chan, pode-se concluir que o “falho” é um homem que: 1) não é, fisicamente, atraente; 2) não têm amigos ou, sequer, a capacidade de se relacionar afetivamente com outras pessoas; 3) possui problemas de autoconfiança e em relação à sua independência financeira; 4) é alguém incapaz de estabelecer relações amorosas ou baseadas em sexo casual. O trecho a seguir evidencia alguns aspectos desse perfil:
Eu nunca tive um amigo, sou um fracasso em tudo, não tenho EM (ensino médio), sou falho e o anão mais feio que já existiu, minha mente é uma desgraça, com toda certeza eu tenho algum problema mental. Agora estou aqui pensando em como seria bom dar 1000 reais para alguém me matar.
Os participantes que se identificam como falhos negam convites para festas mesmo quando desejam aceitar, contam que se sentem bloqueados em demonstrar interesse sexual recíproco a alguém, pois afirmam ser incapazes de realizar esses atos. Como consequência, relatam sensação de arrependimento devido a essas escolhas, como se tivessem perdido algo importante das suas vidas, pois, na verdade, desejariam responder positivamente a essas oportunidades de experiências, mas consideram que a “falha” os bloqueia. Essas pessoas se caracterizam como defectivas, afirmando que lhes falta algum tipo de “habilidade” para conhecer pessoas novas ou iniciar relacionamentos amorosos/sexuais. Além desses casos, existem participantes que se identificam como falhos mesmo que tenham obtido sucesso acadêmico ou profissional, de forma que a natureza desse problema esteja nessa suposta incapacidade deles encontrarem parceiras sexuais ou deles engajarem-se em relações sociais:
(...) sou estudante de Direito no Nordeste. Mas sou gordo e falho, tenho conquistas na vida, mas sou patético em relacionamentos (...)
Como é ruim ser falho e batatão, me arrependo de várias oportunidades perdidas. E para fornicar [foder] ainda mais, as oportunidades que perdi, todas ficaram gostosas depois de um tempo.
(...) já me chakosherm [chamaram] para muita baladinha, mas como um bom falho sempre dou uma desculpa.
Sou falho, bvirgem [nunca beijei e sou virgem] e tenho problemas com pessoas. Até ano retrasado, eu só sabia andar de ônibus para ir para a escola (...)
Por outro lado, alguns participantes contam que passaram a se perceber como falhos após sofrerem falência financeira, pois precisaram voltar a morar com e depender financeiramente dos pais. Aqui entra a expressão NEET, utilizada para descrever alguém que não trabalha, estuda ou realiza qualquer atividade de desenvolvimento pessoal, profissional ou acadêmico: “(...) virou NEET e o pai ainda tem que pagar o FIES que deve (...)”, “(...) fiquei até os 19 anos NEET (...)”, “(...) no começo do segundo ano NEET o desconforto aumentou para uma sonolência constante (...)”.
Outros participantes também recorrem a fatos ocorridos na infância e no início da adolescência para justificar essas questões, de modo que relatam que esses acontecimentos serviram como um estopim para uma série de problemas sociais e de ordem psicológica que apresentam:
Meu pai ficou até a madrugada na rua, chegou bêbado, eu estava dormindo na cama com minha mãe e ele nem ligou para mim, se jogou em cima dela, arrancou a roupa e abusou dela, essa imagem ficou marcada na minha mente até hoje. Virei depravado muito cedo (...)
eu [tinha] 13 [anos] [e minha] irmã 11 (...) [eu] tinha dois grandes amigos na época (...) [minha] irmã [estava] sempre tentando entrar na brincadeira [mas] sempre ignoramos ela (...) [em algum momento, minha irmã diz aos meus amigos] “deixa o Anão jogar sozinho e venham me comer” (...) vejo meus amigos tirarem a roupa (...) surge um ódio interno absurdo que nunca mais senti na vida (...) a partir daí só escuto gemidos, movimentos (...) levanto e digo que vou ao banheiro (...) sento na privada e desabo a chorar (...) Eu tenho absoluta certeza que esse trauma que me transformou na falha que eu sou hoje (...) isso se repetiu por meses (...) chegavam tirando a roupa já e iam para o quarto dela e fechavam a porta (...)
Fui iniciado cedo nas putarias por ser filho de prostituta (...) [quando eu tinha] 7 anos [aconteceu o seguinte:] (...) [a] prima da minha mãe vem visitá-la vez ou outra e traz sua filhinha mais ou menos da mesma idade que eu (...) ela vem e começa a me agarrar (...) e pedir pra eu mostrar meu "piu-piu" pra ela [que] coloca na boca (...) minha mãe entra no quarto na hora (...) começa a perder os lados [rir bastante] e diz que era pra eu aproveitar (...) Hoje tenho que me controlar ao máximo para não trair e não ser um degenerado. Mas é extremamente difícil quando se percebe uma (sic) depósito de porra [12] querendo dar a boceta para o primeiro que aparecer. Sofro com relacionamentos justamente por ser infiel e atrair instintivamente todo tipo de vadia. A vida é uma merda. (...)
De forma análoga a esta questão da falha, vários participantes também se identificam como beta, pois consideram estar em posição de “submissão” perante as mulheres e os homens alfa. Estes participantes acreditam que as mulheres precisam ser “dominadas” pelos homens, de forma que relacionamentos amorosos seriam inviáveis para os betas, pois seriam invariavelmente traídos pelas parceiras. Também existem conversas em que os participantes postulam que a sociedade está mudando para um sistema onde os homens são oprimidos.
De acordo com as falas dos participantes, fica evidente que o “homem” que está sendo “oprimido” é o homem branco, heterossexual e cisgênero, o qual, inclusive, foi o público majoritariamente responsável pelo evento Gamergate. De acordo com Goulart e Nardi (2017), nesse evento, onde mulheres, LGBTQs e pessoas não brancas foram alvo de violência por atuarem dentro da cultura de jogos digitais, houve adesão em massa dos participantes de fóruns anônimos como 4chan e Reddit. O Gamergate demonstrou de forma evidente os privilégios do homem branco, heterossexual e cisgênero, pois empresas como Adobe e Intel retiraram seus anúncios de sites que criticavam as prerrogativas dessas pessoas com o objetivo de manter a adesão desse público. Desta forma, mesmo que o Gamergate tenha promovido a misoginia e a homofobia, diversas empresas de tecnologia decidiram se abster de um posicionamento, justamente por se tratar de um grupo que é historicamente majoritário na indústria de jogos mainstream.
“Todos podem ser alfa”: pseudociência e estratégias para lidar com a “falha”
Vários participantes postulam que o alfa é o modelo de masculinidade e a conduta que as mulheres esperam dos homens. Segundo a lógica dessas pessoas, que se colocam como “vítimas” da sociedade, o alfa possui os requisitos para se relacionar com as mulheres, pois têm as características necessárias para “dominar” a parceira e evitar a suposta “perversidade” inerente às mulheres.
(...) como um belo beta, não consigo conversar com ninguém, nem homem, muito menos mulher, não consigo falar olhando nos olhos de ninguém (...)
(...) se você não consegue dominar uma depósito de porra e se elas te fodem tanto psicologicamente assim, você é um beta.
Se você não consegue comer depósito de porra, tem medo de depósito de porra e não consegue falar com depósito de porra, você é incel e beta.
Eu quero me casar e ter uma família, mas sou beta demais para conquistar e manter uma (...)
(...) Eu sou um incel mas não fico reclamando toda hora e botando a culpa nessas vagabundas por eu ser um falho.
Já [me apaixonei], diversas vezes. Isso durou até o dia que eu tive meu coração estuprado por uma vagabunda, desde então não me apaixonei mais (...)
Eu fazia todo o possível para vê-la feliz.(...) acabou quando eu entrei no Cancro [Facebook] dela e li “Ah, o anão é tipo meu amigo gay (...) Acho que ele gosta de mim (...) só falo com ele porque, né, não quero deixar triste.
Aqui incide a questão do determinismo biológico adotado nestes grupos para teorizar acerca do comportamento de homens e mulheres. Ging (2017) observa que estas pessoas realizam uma leitura superficial e misógina de teorias científicas para inferir que mulheres são irracionais e precisam ser dominadas, o qual incide na linguagem destes grupos para gerar uma série de termos depreciativos, conforme pode ser observado nas falas dos participantes.
Neste sentido, o alfa não necessariamente está associado ao sucesso profissional/acadêmico ou questões de classe, embora estes aspectos complementem este estereótipo. Diversos participantes acreditam que todos os homens podem ser alfas, basta que haja comprometimento em buscar a “mudança”. Desta forma, na tentativa de deixar para trás suas características de “beta” ou de “falho”, alguns participantes engajam-se em uma série de atividades de “autoaperfeiçoamento”. O nofap/noporn, os exercícios físicos e as mudanças de conduta são as que se destacam. Também foram verificadas “dicas” para otimizar estas mudanças, como definir metas, traçar objetivos, “buscar a mudança”, dicas de desenvolvimento profissional, compartilhamento de material para estudos, etc.
(...) a vagabunda disse que queria ficar comigo, fui lá e beijei ela (...) desde então nunca mais agi como um alfa.
(...) 2015 foi o ano que deslanchei e virei alfa de vez.
(...) um dia que eu coloquei na cabeça que seria alfa e realmente eu profitei [peguei] várias vadias na época (...)
Coloque uns caras bonitos tímidos e conservadores e uns caras 5/10 porém alfas (...) num ambiente noturno e assista quem vai pegar mais depósito de porra.
Eu quero um livro que me ensine a ser alfa e profitar [pegar] garotas novas.
Abandone isso de ser gordo e falho, ao menos esse pensamento. Sou manlet [homem de baixa estatura] e menos gordo do que era, mas ainda me vejo gordo, e profitei [peguei] boas depósitos de porra.
Alguns participantes acreditam que evitar a masturbação e o consumo de pornografia está diretamente relacionado com a masculinidade do alfa, pois, segundo a lógica dessas pessoas, consumir este tipo de conteúdo “limita” o desejo sexual do homem. Esses participantes acreditam que, ao interromper estas práticas, os homens instintivamente procuram parceiras sexuais, de modo a fazer emergir seus atributos de homem alfa.
Desta forma, os participantes discutem sobre seu “progresso” no nofap/noporn, sobre quantos dias estão sem masturbação e/ou pornografia e sobre como é enfrentar o “vício” em formas artificiais de estimulação sexual. A masturbação e a pornografia são então tratadas como uma “droga”, que torna os homens dependentes e perturbam sua qualidade de vida:
Finalzinho do ano passado vivia falando pra mim mesmo "começo de 2017 será o mega nofap!". Perdi no terceiro dia. Estou começando um hoje mesmo, anon. Força para nós dois nessa, kek. Primeira coisa que eu fiz quando virei MGTOW [13] foi fazer um nofap de 30 dias para desintoxicar. MGTOW é viver uma vida plena e centrada, buscando objetivos grandiosos. É abandonar o pensamento e desejo influenciado pelo judaísmo midiático de que você PRECISA casar e ter filhos para ser feliz.
Estou em nofap faz 15 dias. Seu pau não fica mais 100% duro porque obviamente os efeitos do nofap estão aparecendo, ou seja, apenas com estímulos reais e fortes (uma vadia em carne e osso) é que você terá genuína ereção (e genuíno prazer igualmente, muito mais forte). Nem vou fazer exercícios, deixe quieto. A merda é que geralmente, no nofap, me sinto mais homem e agora mesmo estou em uma crise existencial quase chorando igual uma bicha.
(...) a recompensa maior é a dificuldade, é o prazer em manipular e controlar a pessoa. Isso para mim é o mais importante, muito mais do que o DotA [sexo] em si. Aliás, essa é a única razão para eu ter recomeçado com o nofap. Fui perdendo o pau no meu cu [sentimento] de identidade, virei um mero espectador, enquanto sempre enjoei [apreciei] ser o protagonista.
Aqui incidem algumas características das chamadas comunidades de sedução, onde homens discutem sobre técnicas para seduzir mulheres, as quais se baseiam na manipulação e em hacks psicológicos (ALMOG; KAPLAN, 2017). Em relação aos relatos sobre nofap/noporn, estas técnicas geralmente não possuem respaldo científico ou qualquer comprovação de eficácia, limitando-se apenas a crenças sem fundamento que afirmam que as mulheres são unicamente guiadas pelos seus instintos biológicos. Esses participantes acreditam que existem “fórmulas” para realizar esta “sedução”, que é algo para se aprender através de livros e manuais capazes de racionalizar os atributos que supostamente tornam os alfas atraentes para as mulheres. Novamente, fica evidente as tentativas de sobrepujar os dotes físicos dos alfas por meio dessa “inteligência” dos homens beta.
Materialidades dos IBs na manutenção da masculinidade tóxica
Bollmer (2019) ressalta acerca da importância de considerar as materialidades digitais nos estudos da comunicação, mesmo quando o objeto de estudo se encontra na dimensão do sentido. Conforme o autor argumenta, as interfaces gráficas abstraem processos que na verdade são muito complexos, e que envolvem algoritmos, data centers e diversos dispositivos de rede. Em perspectiva das materialidades digitais, é importante pensar como a programação do site, os recursos técnicos e a ação dos administradores e moderadores impactaram nos sentidos que foram evidenciados nas conversas do 55chan.
Nesta perspectiva, através dos relatos elencados neste estudo, fica evidente como os participantes atacam as mulheres através de expressões hediondas como “depósitos de porra” e “merdalheres”, dentre outros insultos e frases criminosas. Falas misóginas como “mulher continua sendo merda”, “a imensa maioria das merdalheres são vadias interesseiras” e “mate uma merdalher” estão estampadas nas muitas conversas deste grupo. A misoginia está institucionalizada no 55chan de modo que na própria programação do site há um filtro que substitui automaticamente a palavra “mulher” pela palavra “depósito de porra”, de forma que os próprios responsáveis pelo grupo apoiem essa conduta criminosa. Estas questões foram aprofundadas por Valle-Nunes (2021), que observa acerca da importância da linguística forense para averiguar crimes de linguagem, os quais são ofuscados pelo chanspeak, que, intencionalmente, complexifica a interpretação dessas conversas.
Conforme argumenta a autora Vyshali Manivannan (2013), na lógica de misoginia do 4chan, os participantes são punidos com lulz caso revelem o seu gênero. Mas fica evidente que “revelar o gênero” é um participante informar ao grupo que é mulher, sendo que já está estabelecido, muitas vezes até mesmo pelas regras e programação do site, como é o caso do 55chan, que todos os participantes devem ser homens sob pena de banimento. Os organizadores do site estão de acordo com a manifestação dessas ideias, o que legitima os participantes nessas interações violentas. Aliado a isso, existe a questão da efemeridade das linhas de discussão, as quais são periodicamente deletadas conforme novas publicações são criadas (FONTANELLA, 2010).
O anonimato é outro fator que potencializa ainda mais essas violências, de forma que os participantes não precisam se preocupar em ter suas identidades associadas às suas interações. No entanto, esse anonimato é encorajado até certo ponto, pois existem mecanismos de segurança na infraestrutura do site [14] que restringem as ações de participantes que realizam o acesso através da rede Tor [15] ou de algumas VPNs (Rede Virtual Privada). Esses mecanismos, provavelmente, servem como uma medida de segurança para garantir que os participantes sejam responsabilizados pelas suas interações em casos de investigações e intervenções judiciais, o que evidencia uma preocupação dos organizadores do site com questões legais. Desta forma, embora os participantes constantemente critiquem as plataformas digitais, em analogia a estas estruturas, a forma como os organizadores do site se colocam perante essas questões legais, aliado aos informativos do site, que reiteram sobre o conteúdo produzido ser de responsabilidade dos participantes, deixam claro que a administração do 55chan se coloca em uma posição de imparcialidade, que omite ser responsável por esses crimes. Enquanto isso, o site é monetizado através de uma rede de anúncios anônimos [16] similar ao Google AdSense, mas que funciona através de criptomoedas.
Neste sentido, esses mecanismos para impedir o anonimato, os esforços em manter as identidades dos administradores ocultas para ferramentas de análise de DNS [17], as preocupações com SEO e visibilidade do site, a monetização através de anúncios e a utilização de serviços para bloquear a ação de bots, revelam que, além dos participantes que promovem o ódio e a misoginia, existe a ação dos organizadores do site, que embora permaneça oculta, atua ativamente na manutenção e perpetuação dessas interações violentas.
Por fim, Nagle (2017) reitera sobre o papel do 4chan nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, quando houve o apoio em massa a Donald Trump e as ideias da direita alternativa, que se caracterizam pelo racismo, o antissemitismo, a homofobia, a heteronormatividade, ao apoio aos ideais da supremacia branca e a aversão ao multiculturalismo. Como a própria autora (2017) destaca, as interações que ocorrem nestes espaços e seus desdobramentos possuem consequências reais, pois mesmo que sejam fóruns de discussão obscuros e que não concentram grande visibilidade, essas subculturas já demonstraram ser capazes de incidir na realidade. Um exemplo que ganhou repercussão no Brasil foi o caso do massacre em uma escola em Suzano (SP), em 2019, que resultou em 10 mortes e 11 feridos. Quanto a isso, foi verificado que os atiradores pediram orientações em chans brasileiros sobre como realizar o crime, o que foi celebrado pelos participantes após ter acontecido (MANFREDINI, 2019).
Considerações finais
Ao final deste estudo, pode-se afirmar que a masculinidade tóxica no fórum de internet anônimo brasileiro 55chan manifesta-se por meio de uma narrativa de ódio contra as mulheres e contra uma concepção de masculinidade hegemônica (“homem alfa”), o que coincide com os achados de Nagle (2016). Da mesma forma, identificou-se nesse grupo o conceito de “homem beta” (KENDALL, 2011), segundo o qual seus integrantes se autodefinem como “falhos” em função, principalmente, de sua inabilidade social, em especial, com mulheres, o que buscam superar com sua inteligência por meio de estratégias conhecidas como práticas de nofap, noporn eexercícios físicos. Nesse contexto, percebeu-se que as mulheres são, invariavelmente, objetificadas e consideradas perversas (“vagabundas”, “merdalheres”), irracionais e que devem ser dominadas.
Em relação aos aspectos materiais do 55chan, pode-se afirmar que a questão do anonimato, reforçado pela efemeridade das linhas de discussão (FONTANELLA, 2010) e o uso dos filtros de chanspeak (VALLE-NUNES, 2021), que substituem automaticamente a palavra “mulher” por “depósito de porra”, são componentes fundamentais para institucionalizar a misoginia neste fórum, tanto por parte dos integrantes do grupo, quanto por parte de seus responsáveis, que, claramente, não se responsabilizam pelo que ali se comenta. A esse conjunto de evidências materiais e simbólicas, alia-se os aspectos de monetização identificados, o que parece indicar, não só a continuidade dessas práticas criminosas, mas também, sua intensificação.
Frente a isso, acredita-se que o artigo cumpriu com o objetivo de caracterizar as manifestações de masculinidade tóxica no 55chan, o que o fez por meio de um programa automatizado desenhado especificamente para tanto. Com isso, aponta-se como a principal contribuição do estudo a documentação dessa manifestação, o que incluiu a percepção da profunda implicação de questões infraestruturais e referentes a modelo de negócios das plataformas de fóruns anônimos quanto à configuração dessa prática. Nesse sentido, este artigo se aproxima das conclusões de Vilaça e D’Andréa (2021), de Meira (2021), de Velho (2018) e Massinari (2017), na medida em que esses autores associam a questão do anonimato ao tom confessional verificado nas mensagens trocadas em fóruns nos chans, bem como ao teor tóxico que esse conteúdo assume.
No que diz respeito às limitações desta pesquisa, destaca-se que as postagens analisadas remetem ao final de 2016 e início de 2017, o que pode sugerir que algumas narrativas possam estar defasadas. Outro ponto é que, embora o 55chan seja um Imageboard, não foram coletadas as imagens compartilhadas, em função de, eventualmente, isso configurar em armazenamento de conteúdo criminoso. E, finalmente, enfatiza-se que o artigo resumiu-se a documentar o fenômeno da masculinidade tóxica de um fórum anônimo, de modo que seus resultados apenas representam uma etapa inicial de esforços que buscam compreendê-la mais profundamente.
Como possíveis desdobramentos deste estudo, importa investigar as intersecções da masculinidade tóxica com questões políticas e sociais contemporâneas. Nagle (2017) investigou acerca dos delineamentos políticos do 4chan, e também sobre a influência desse fórum anônimo nas eleições presidenciais estadunidenses de 2016, que apoiou Donald Trump e as pautas da direita alternativa (alt-right). Da mesma forma, é importante investigar sobre os possíveis impactos da ação de fóruns anônimos como o 55chan nas eleições presidenciais do Brasil em 2018, que conforme destaca Mello (2020), foi marcada pelo apoio dos MAVs (grupos de militância em ambientes virtuais). Compreender as práticas desses grupos, bem como suas relações com as plataformas alt-tech, tais como o Telegram e o Bitchute, que já estão sendo adotadas por pessoas e organizações que foram deplataformizadas por difundir discurso de ódio e informações equivocadas em plataformas mainstream (ROGERS, 2020; RAUCHFLEISCH; KAISER, 2021), pode ampliar o conhecimento acerca das constelações de violência e circulação de notícias falsas na internet, que são um grande problema contemporâneo.
Referências
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[1] Artigo publicado na Revista Fronteiras - Estudos Midiáticos do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos.
[2] Trollagem é a ação do troll, um participante que possui o objetivo de incitar o caos e provocar outros participantes em ambientes online (FRAGOSO, 2015).
[3] De acordo com Goulart e Nardi (2017), o Gamergate foi um evento que iniciou em 2014 quando o game designer Eron Gjioni publicou um texto difamatório sobre o seu término de relacionamento com a também game designer, Zoe Quinn. Nessa publicação, Eron acusou sua ex-namorada de estar se relacionando sexualmente com críticos de jogos digitais para ganhar boas reviews do jogo (gratuito) que ela havia desenvolvido (Depression Quest). Partindo desse acontecimento, diversas mulheres profissionais da indústria de jogos digitais foram vítimas de ataques públicos organizados no Reddit e no 4chan, inclusive foram alvo de ameaças de morte e de estupro. A prerrogativa dos defensores do Gamergate (teoria da conspiração) era de que a indústria de jogos digitais, que desde os anos 90 já tinham os homens jovens como público-alvo, estava sendo atacada através de relações “antiéticas” entre produtores e críticos, pois, supostamente, alguns jogos (principalmente aqueles sobre diversidade sexual, de gênero ou de raça) estavam sendo “forçados” pelo jornalismo especializado.
[4] Assim como em Fragoso (2015), este trabalho entende como “tóxico” qualquer prática desencadeada pela “desinibição tóxica”, que, conforme os postulados de John Suler (2005), se refere aos usos negativos de fatores como o anonimato e o distanciamento físico que a internet proporciona.
[5] “HUE”, “HUEHUE”, ou ainda, “HUEHUE BR”, começaram como onomatopeias utilizadas para se referir de forma pejorativa aos jogadores brasileiros. Conforme Fragoso (2015), essas expressões se popularizaram principalmente através de memes ao estilo digital junk, que representavam os jogadores brasileiros de forma bastante negativa.
[6] Disponível em: Encyclopedia Dramatica. Acesso em: 16 jan. 2022.
[7] Disponível em: Desciclopedia. Acesso em: 16 jan. 2022.
[8] isponível em: Wikinet. Acesso em: 16 jan. 2022.
[9] Disponível em: Internet Archive. Acesso em: 16 jan. 2022.
[10] Forma depreciativa e homofóbica para se referir aos novos participantes do grupo.
[11] A manosphere é um conjunto de subculturas que se caracteriza pelas pautas de anti-feminismos e pelos movimentos masculinistas de militância pelos “direitos dos homens” (NAGLE, 2017; GING, 2019). A manosphere está “espalhada em subreddits, blogs, perfis no Twitter, canais do YouTube e fóruns chans, de maneira que pode ser pensada como rede sociotécnica multiplataforma” (VILAÇA, D’ANDRÉA, 2021, p. 414).
[12] Os filtros do 55chan substituem a palavra “mulher” para expressão misógina “depósito de porra” (por isso que essa expressão é utilizada no feminino). Para além dos filtros, os participantes aderem a esse vocabulário utilizando deliberadamente variações dessa expressão, como “aquela depósito” ou “as depósitos”. A questão dos filtros de chanspeak será retomada adiante.
[13] Sigla para “Men Going Their Own Way”. É uma filosofia divulgada em comunidades online que se fundamenta na ideia de que relacionamentos românticos com mulheres não “compensam” no “custo-benefício”.
[14] O 55chan utiliza o serviço de DNS da Cloudflare, que além de ofuscar diversos aspectos da infraestrutura do site, proporciona ferramentas de alto nível para realizar a gestão e o controle de atores maliciosos.
[15] Uma rede (dark net) capaz de anonimizar o acesso à internet.
[16] O 55chan utiliza a rede de anúncios A-ADS.
[17] Análise ou lookup de DNS são ferramentas legais utilizadas para recuperar informações públicas de domínios da internet.